Dois eventos agitam o mercado de GIS e reúnem a comunidade de usuários da Esri na América Latina.
O MundoGEO esteve lá e traz informações exclusivas

Por Eduardo Freitas e Emerson Granemann

São Paulo e Buenos Aires foram palco de dois encontros nos quais a comunidade de usuários da Esri pode estar em contato com as últimas novidades da companhia. A presença de Jack Dangermond, no Brasil, e de Dean Angelides e Ismael Chivite, na Argentina, mostra a importância da América Latina para a Esri e ressalta o peso que a economia da região tem para a empresa.

A revista MundoGEO apoiou e esteve presente nos dois eventos, e traz informações exclusivas para seus leitores.

Lauc

Realizada em conjunto com a empresa Aeroterra, a Conferência Latino Americana de Usuários Esri (Lauc, na sigla em inglês) teve mais de mil participantes – segundo a organização – entre congressistas, expositores e colaboradores, nos dias 4 e 5 de outubro. O evento foi realizado no Centro de Convenções da Universidade Católica Argentina, em Puerto Madero, uma região turística de Buenos Aires.

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O ambiente acolhedor se fez presente nas confraternizações – com direito a “Empanada Party” – e também nas palestras, com muita descontração dos apresentadores, sem deixar de lado a objetividade em mostrar as novas funcionalidades do ArcGIS, que a cada dia fica mais simples e acessível, tanto aos especialistas como para o usuário comum.

A programação de dois dias da Conferência contemplou uma Sessão Plenária com a destacada participação de Sergio Massa, prefeito do Município de Tigre, da província de Buenos Aires; e apresentações de especialistas da indústria do GIS que expuseram sobre o presente e o futuro desta tecnologia.

Uma das principais apresentações, a palestra de Massa teve como foco a implementação de uma plataforma tecnológica como base da gestão municipal em Tigre. “Não somos simplesmente usuários de uma imagem de satélite – há milhares de sistemas que nos permitem ver imagens de satélites -, mas nós somos usuários de um sistema que nos permite planejar melhor a vida de nossos cidadãos”, afirmou. “O governo que hoje não utiliza a tecnologia para colocá-la a serviço das pessoas, ou o Estado que não aproveita ao máximo os telefones inteligentes e a utilização de sistemas de geolocalização e serviços na web, são governos que condenam ao fracasso e ao passado a sua sociedade; se suicidam em termos de capacidade de prestação de serviços”, concluiu.

Na abertura da Lauc, o presidente da Aeroterra, Eduardo Viola, deu as boas vindas e mostrou a visão da empresa para o futuro do GIS. Em seguida falou Dean Angelides, diretor da Esri, propondo um novo olhar sobre o geoprocessamento. Dean afirmou que “mapas na nuvem são o novo meio para o ArcGIS”.

Completando o time de experts da Esri, Ismael Chivite mostrou como o ArcGIS deve ser visto como uma plataforma para toda a corporação, enquanto Julie Powell, Ken Gorton e Carlos Cardona fizeram demonstrações em tempo real de todas as funcionalidades do ArcGIS 10.1 e ArcGIS Online. Alguns dos especialistas em GIS da Aeroterra também participaram das demonstrações, como Tomás Donda e Omar Baleani. E, ao final da sessão plenária foi a vez de Pedro Barbero, da Aeroterra Uruguai, mostrar como o GIS está evoluindo na região, através de alguns casos de sucesso.

A apresentação de Chivite, aliás, foi um dos pontos altos do dia. Segundo ele, “o ArcGIS Online é o ponto nevrálgico da nova forma de se ver o ArcGIS. Os mapas são o centro de tudo!”. Para Chivite, “um bom mapa é aquele que conta uma história”.

No fechamento da plenária houve um momento de grande emoção, com a entrega do Prêmio Lasag para as empresas Sancor Seguros (Argentina), Esbio (Chile), AngloGold (Colômbia), Secretaria de Segurança Pública Federal (México) e MGap (Uruguai), e uma condecoração especial para o agrimensor José Maria Ciampagna, pelos vários anos de contribuição à difusão das geotecnologias na Argentina.

Além da plenária, workshops e diferentes tracks apresentados pelos especialistas da Esri e da Aeroterra, em cinco salas simultaneamente, proveram toda a informação de interesse da audiência entre os dois dias do evento. A participação de especialistas e profissionais relacionados ao GIS fez da Lauc um lugar para colaborar, conectar e inspirar o conhecimento dos participantes e suas habilidades em GIS.

Eu Esri

São Paulo, por sua vez, contou com o Encontro de Usuários da Esri Brasil (Eu Esri), com a presença de Jack Dangermond, presidente e fundador da companhia. Com o tema “Conectados ao mundo pela Geografia”, o evento foi uma excelente oportunidade para os profissionais de GIS estarem em contato com especialistas da Imagem e da Esri e se atualizarem sobre o que há de mais novo na tecnologia.

Esri

Em sua terceira edição, o evento contou com a presença inédita de Jack Dangermond, reunindo público de mais de 750 participantes – segundo a organização – que puderam aproveitar a programação com mais de 80 apresentações entre casos de sucesso, demonstrações e palestras técnicas. Representantes de mais de 250 empresas e órgãos públicos nacionais puderam compartilhar experiências e melhores práticas do uso da tecnologia GIS, graças às trilhas de conteúdo focadas nos setores de agricultura, educação, energia, floresta, governo, meio ambiente, mineração, óleo e gás, saneamento e telecomunicações.

Os participantes puderam ainda conversar com os especialistas da Esri que compartilharam as novidades e as tendências do GIS, além dos destaques trazidos diretamente da Conferência Mundial dos Usuários Esri 2012, que aconteceu em julho em San Diego, nos Estados Unidos. Dentre eles, estavam: Bill Meehan, Diretor de Utilities; Adam Pittman, Estrategista de Engenharia de Soluções para Óleo & Gás; Julie Powell, Gerente Técnica do ArcGIS for Server; e Carlos Cardona, Arquiteto de Soluções da Esri.

Na abertura do Eu Esri 2012, o presidente da Imagem, Enéas Brum, fez uma apresentação inspirada sobre como chegamos até aqui e para onde vamos. Logo após, o índio Kokoró Mekrãgnoti mostrou como as tecnologias GPS e GIS são usadas na sua tribo para a preservação de áreas indígenas (ver box).

Na sequência, Enéas anunciou a presença do “cacique” Jack Dangermond, que pisou no palco do Eu Esri para mostrar o posicionamento e as novidades da empresa para sua imensa comunidade de usuários. Segundo Dangermond, o GIS está cada vez mais se tornando uma infraestrutura social, já que a geoinformação não é algo independente, mas parte de algo maior. Para ele, o GIS – assim como a própria Esri – está em um ponto importante de inflexão, com mudanças substanciais previstas para os próximos cinco anos.

E o maior responsável por toda essa mudança é o GIS na nuvem, que permite a disponibilização de ferramentas geoespaciais para todos, já que integra todo tipo de informação, sejam elas geoespaciais ou não. “A nuvem vai quebrar todas as barreiras entre os fluxos de trabalho, disciplinas e culturas”, afirmou. Dangermond propõs, então, uma abordagem holística, introduzindo a ideia do uso da geografia como uma plataforma para toda a organização.

Quanto à interação com a comunidade, Dangermond comentou sobre o time de desenvolvedores que trabalha na Califórnia recebendo feedback dos usuários e melhorando os sistemas a cada versão. Ele fez também um paralelo entre a aquisição de um iPhone e o acesso ao iTunes. De acordo com Jack, quando adquire-se uma licença do ArcGIS, compra-se também o acesso a milhões de dólares em conteúdo geográfico, como por exemplo imagens de satélite.

Dangermond apresentou alguns números impressionantes sobre o mercado de GIS. Segundo ele, são gerados 100 mil mapas por dia no ArcGIS Online e a previsão é que este número passe de 1 bilhão no próximo ano. Ele falou, ainda, sobre as novidades que estão por vir no ArcGIS, como o geoprocessamento online, aplicativos desconectados, 3D móvel, conteúdo adicional, mais templates, entre outras. Para finalizar, destacou que em um momento de recessão econômica, a geografia torna-se cada vez mais importante como linguagem universal.

Após a palavra do presidente, Sérgio Barbosa, da Agência Nacional de Águas (ANA), fez uma demonstração do uso do ArcGIS Online como base para a publicação das informações sobre saneamento e deu como exemplo o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH), disponível em www.snirh.gov.br. O Eu Esri também entregou um prêmio ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), representado por Sandra Pedrosa, que falou sobre o Sigmine, um sistema online de referência na busca de informações atualizadas relativas às áreas dos processos minerários cadastrados no Departamento.

Além dos especialistas da Esri, os técnicos da Imagem fizeram várias demonstrações sobre o ArcGIS 10.1 e o ArcGIS Online, com foco no uso corporativo. Ao longo dos dois dias de evento, os participantes aproveitaram as ilhas de produto, nas quais experts do Centro de Suporte Técnico da Imagem estavam à disposição para auxiliá-los em dúvidas sobre o Arc-
GIS. Além disso, o Eu Esri 2012 contou com o Espaço “Transforme seu Mapa”, no qual os profissionais puderam ter uma mini consultoria focada em apoiá-los quanto ao uso de dados geográficos.

Comunidade conectada

De acordo com Richard Dalaqua, mediador da lista de discussão ArcGIS-Brasil, algumas das principais novidades do ArcGIS 10.1 e das próximas versões são as ferramentas para manipular dados Lidar, vídeos georreferenciados em tempo real, melhorias contínuas nas funcionalidades 3D, servidores trabalhando com 64 Bits, ArcGIS para Mac, implementações no ArcGIS para Android e iOS, integração com dados de GPS e KML, entre outras.

Com uma comunidade de milhões de pessoas ao redor do mundo e o olho no futuro, a Esri se re-inventa e coloca a nuvem como ponto de convergência para suas soluções. Se o GIS está em um ponto de inflexão, o que diremos dele nos próximos cinco anos?


Kayapó Mekrâgnoti

Pés Na Terra, Olhos No Futuro

Ao contrário da grande maioria dos povos indígenas brasileiros, os Kayapó viviam tradicionalmente longe dos grandes rios, onde a pesca abundante garantia uma fonte segura de proteína. Esta distância fez com que a caça fosse sua principal fonte protéica, associada a uma lavoura de subsistência de relativa diversidade, em que a mandioca e as frutas tropicais têm papel fundamental.
Kayapó MekrâgnotiEssas circunstâncias tornaram os Kayapó mestres nas artes da caça, inicialmente com bordunas e flechas, e com armas de fogo tão logo tiveram acesso a elas. A necessidade de grandes áreas para garantir seu modo de vida tradicional, altamente dependente dos recursos naturais de seus territórios, levou os Kayapó a um permanente estado de guerra com seus vizinhos, em disputa territorial anterior à própria chegada dos europeus.

Os primeiros registros do grupo relacionam os Kayapó à bacia do Tocantins, mas o encontro com as primeiras frentes de expansão no início do Século XIX e os resultados desastrosos desse verdadeiro confronto de civilizações determinou seu deslocamento para o oeste. Evitando esse contato enquanto possível, os primeiros grupos a estabelecerem alguma forma de intercâmbio com os estrangeiros de pele clara, fascinados pelos objetos que esses dispunham, não sobreviveram para ver a chegada da segunda leva de pioneiros da sociedade brasileira, representados pelos soldados da borracha, nas primeiras décadas do século XX.

Esse movimento migratório fez com que os Kayapó Mekrãgnoti passassem a ocupar as extensas áreas de florestas tropicais no interflúvio Tapajós-Xingu, estabelecendo-se nas partes altas das bacias dos Iiri e Jamanxim, na vertente nordeste da Serra do Cachimbo. A partir dos anos 50, o governo brasileiro decidiu impor uma política de “pacificação” dos índios mais arredios do sertão. Em setembro de 1957, uma frente de atração da Fundação Nacional do Índio (Funai), chefiada pelo sertanista Francisco Meirelles, estabeleceu contato com o grupo que hoje ocupa as Terras Indígenas (TI) Baú e Menkragnoti, no sudoeste do Pará.

O início da abertura da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163) em 1970, em tempos de “integrar para não entregar”, veio perturbar ainda mais a frágil estabilidade que marcava o domínio sobre o território tradicional das diferentes etnias que compartilhavam a região. A conclusão das obras da rodovia, em outubro de 1976, trouxe grandes modificações à região, atuando como vetor de um intenso fluxo migratório. A presença desses migrantes instados a remover a floresta para garantir a posse da terra, deu início a um ciclo de destruição que afetou de uma forma nunca vista a vida dos Kayapó, com diversos episódios de conflitos violentos e uma postura, incentivada por agentes econômicos e por setores do próprio governo, de tratar as populações indígenas como inimigos do desenvolvimento.

O fato de esse discurso ainda hoje encontrar eco na atuação do estado brasileiro quando se trata do desenvolvimento da Amazônia e do próprio país, depois de quase 30 anos desde o fim do ciclo militar, soa como uma amarga ironia para quem analisa a situação de longe. Para os Kayapó, só reforça as dificuldades que enfrentam no seu relacionamento com a sociedade envolvente.

Os anos 80 e 90 foram marcados pela luta pela posse do território que hoje compreende as TIs Baú e Menkragnoti, processo que de forma alguma foi tranquilo, culminando, em 2008, com a desafetação de mais de 340 mil hectares do extremo leste da região Baú, como alternativa para evitar um conflito armado entre índios e fazendeiros.

Em 2002, iniciaram-se os estudos para o licenciamento ambiental do projeto de pavimentação da BR-163, e a proximidade dessa rodovia com os limites das TIs fez com que os Kayapó fossem incluídos no processo, haja vista a expectativa de novas pressões decorrentes do rearranjo da economia da região frente à perspectiva do asfaltamento da rodovia. Em função disso, o processo de licenciamento estabeleceu a necessidade de um Projeto Básico Ambiental (PBA) voltado especificamente para as TIs mais próximas da rodovia.

Em 2006 o PBA foi elaborado em conjunto com as comunidades indígenas envolvidas. Foi então estabelecido convênio entre Funai e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e posteriormente, em 2010, firmado novo convênio entre Funai e Instituto Kabu, organização não governamental dos Kayapó Mekrãgnoti com sede em Novo Progresso (PA), para execução do PBA especifico para os Kayapó das TIs Baú e Menkragnoti.

O PBA apresenta um subprograma de proteção e fiscalização das TIs e um subprograma de coordenação e monitoramento, que inclui a implantação de um GIS capaz de não somente permitir uma autonomia na produção de mapas para as atividades rotineiras de fiscalização, mas que também oferecesse uma ferramenta que contribuísse de maneira efetiva para uma melhor gestão dos recursos naturais das Tis.

A inclusão de um subprograma de monitoramento usando GIS é inovadora no âmbito desse tipo de projeto. Para tanto, foi adquirido o ArcGIS 10 para o desenvolvimento do GIS e o TrackMaker Pro para a interface com as informações geradas a campo com a coleta de dados e uso de GPS.

Em junho de 2010 foi feita uma capacitação para o uso dos receptores GPS na aldeia Baú, congregando mais de 20 representantes das aldeias incluídas no PBA. Em outubro a Academia Imagem forneceu treinamento para a equipe técnica do Instituto Kabu e indígenas, na sede da ONG.

Hoje, já existe uma rotina estabelecida para a produção de mapas e incorporação de informações ao banco de dados, incluindo os resultados das atividades de rotina de fiscalização, como aspectos relacionados à gestão dos recursos naturais de suas terras e o desenvolvimento de análises espaciais para avaliar as pressões na região, como é o caso da avaliação dos resultados do Projeto Prodes no entorno das TIs, visando identificar os pontos mais vulneráveis a invasões, a partir dos dados de desmatamento mais recentes.

Em setembro de 2012 a equipe do Instituto Kabu participou do Eu Esri e apresentou alguns resultados obtidos até o momento, tendo também uma participação na plenária de abertura, quando o indígena Kokoró Mekrãgnoti apresentou um pouco da luta de seu povo pela proteção de suas terras e da importância do uso das ferramentas de GIS.

Os Kayapó têm plena consciência do quanto será árdua a luta pela proteção de seu território e pela manutenção de sua forma de vida tradicional. Sabem também que não podem evitar os estímulos da vida moderna sobre os jovens e o desejo de acesso a bens de consumo, como o restante da sociedade brasileira. O uso do GIS como ferramenta para a efetiva proteção de suas terras revela um pouco da sabedoria desse povo que, assim, se apropria do que há de mais moderno na sociedade tecnológica para garantir a perpetuação de sua cultura ancestral.

Com informações de Rodrigo Balbueno, biólogo com mestrado em ecologia pela UFRGS. Consultor do Instituto Kabu.

+Info
http://kabu.org.br/2012
www.mekragnoti.com.br